Diário do Nidalion - 7º Dia na Resistência

12º dia de Donis do ano de 71 da Era do Fogo

O fim desse dia me vinculou com a Resistência em indefinitivo. Não sei quando vou voltar para casa, não sei como vou voltar e nem SE vou voltar. Hoje com certeza foi o dia que mais me senti longe das minhas raízes. Apesar do que aconteceu hoje eu pude perceber um certo grau de cuidado e companheirismo em alguns membros do grupo. Só o tempo dirá.

Passamos o dia nadando no lago, e talvez essa tenha sido a unica parte tranquila do dia, principalmente quando Athelstan decidiu explorar uma gruta próxima das redondezas. Talvez aquele tivesse sido o momento certo para notar os sinais. O maldito pakele estava espreitando já. Depois me contaram o seu nome. Mavuto. Bel pelo jeito tem junto da sua corte de revolucionários varias marionetes quebradas de outros impérios. Pega esses cacos de vidro inúteis e junta em um mosaico caótico que é esse palhaços que lutam pela "liberdade".

Nos retiramos do lugar e Zoo'ra estava junto também. A moça estranha que diz ter varias personalidades. Personalidades eu já não sei, mas ela com certeza tem muitos olhos para Athel. Ele é privado demais com seus pensamentos e passado. O que acaba escapando de sua vida são em seus acessos de raiva e nos sonhos barulhentos. Quem quer que seja Zoo'ra ou até essa Oz, agora não faz tanta diferença. Nos reunimos para fazer nossa ultima refeição antes de partir. Antes tivesse sido só isso.

São esses momentos que percebo que deveria ter aprendido com meu avô que os servos não precisam de respostas, só precisam obedecer, e de respostas demais para esse aarongar. Suas perguntas sempre girando entorno de quem eu sou, de onde vim e qual o meu proposito. Eu reconheço bem um aarongar escapado, um pakele como chamamos na capital. Se portando como o dono do mundo, esquecendo que veio do ventre do mar e que o mar lhe deu uma tarefa que não soube cumprir, que é servir o povo tritão. Pelas marcas ele veio de minas de joias. As piores barbaridades acontecem nesses lugares, mesmo para os mais doceis.

Mavuto com certeza já fez isso com outros tritãos, eu talvez tenha sido só o mais burro para cair nessa conversinha. Ele conseguiu a justificativa para me atacar quando devolvi suas provocações. O mesmo disse que minha união com Athelstan seria "A Prova de que a aliança de Krasny e Trion pode ser personificada pela nossa fornicação". Rebati dizendo que do meu ponto de vista "Deveria existir uma aliança mais consistente entre os tritãos e aarongares, porque Trion fode com eles já faz alguns milenios". Foi um bom ponto, infelizmente bom até demais.


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Chamar aquilo de arma é uma piada, mas ele tem força suficiente para usar. Quando percebi, a grande peça de metal, a ancora atingiu o meio da minha testa em cheio. Perdi os sentidos. Ouvi vozes, gritos, senti mais um golpe no peito e silencio por um tempo. Ouvi a voz de minha mãe. Tinha quase certeza que tinha me esquecido como era bom ouvir sua voz. Ouvi mais uma voz, não era uma voz conhecida, era algo que vinha de dentro de mim. Um delírio. Quando me voltei, a situação tinha escalado drasticamente rápido.

Senti a pressão no pescoço, e quando voltei a enxergar algo, Bel estava de frente comigo, me erguendo pelo pescoço. O semblante de um líder forte tomou espaço para o de uma besta assassina. Não tinha mais ninguém por perto. Só nós dois. Ele falou e falou. Disse o quanto sabia que eu estava ali para espionar, e que iria parar com isso. Disse que eu agora iria informar a Resistência dos planos de Trion. Falou que só não me deixou ser morto ali porque ainda era util. De toda essa confusão de ideias ele me forneceu um nome. Ivan Anatoly. Uma cortesia, o nome de quem era meu pai, e que ele estava vivo. Foi tudo muito rápido. Aceitei as condições.

Enquanto voltávamos para o restante do grupo, percebi que nem tudo que ele tinha falado era completamente sem sentido. Ele disse que o que me definia era minha família, minha organização e minha raça. Se tudo isso fosse tirado, o que sobraria? Um espadachim medíocre no meio do inferno politico de varias nações. O que caralhos eu sou e qual o meu proposito? Quando voltamos ao grupo, vi Mavuto, sem um unico arranhão me olhando de cima, e soube o que precisava ser feito. Me aproximei, retirei minha diadema, o signo do meu orgulho e do meu povo e segurei entre as mãos.

Senti a diadema se desfazendo em minhas mãos quando a pressionei com força. A joia que serviu de bussola para quase tudo que já fiz depois que ganhei. Mesmo sabendo que aquilo era simbólico, é estranho perceber o quanto uma simples joia pode influenciar a vida de duas pessoas por tanto tempo. Mavuto chorou a ver a cena, e eu por dentro também chorei. Essa decisão feita com a cabeça fraturada e completamente desnorteado vai me assombrar para sempre. Perdi dois dos meus servos e por pouco não perdi minha vida. Talvez algo bom possa nascer disso tudo. Algo bom nasça desse caos que estou vivendo.

- Nidalion, o Mestiço

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