ERAMOS CINCO - Parte 1: Deus no céu, meus irmãos na terra


-I-
Está frio nesta noite de inverno. Me perco em memorias muito tempo esquecidas nos empoeirados pergaminhos do mosteiro de Britt, onde encontrei abrigo depois de dias e dias vivendo na estrada. Ler sobre si mesmo depois dos anos terem transformado em cinzas o que já fui é nostálgico e melancólico. São relatos que fazem atos tão corriqueiros e simplórios se assemelharem a épicos dignos de lendas, entretanto nem tudo que leio é real, ou tão belo.

Agora sou um velho que mal escuta, com braços fracos e marcados pelo tempo, mas que ainda tem firmeza para apoiar o peso do corpo em um cajado. Aqui neste reduto de monges sou conhecido por meu nome de nascimento; Ivarin Reen, mas em minha doce juventude as canções em minha homenagem eram destinadas a outra alcunha; Ivarin, Serpente do Éden. Fui cavaleiro, mas não ungido pela nobreza, meu título foi ganho através de conquistas em batalha junto de outros quatro.



-II-

No começo não eramos como cinco, mas apenas dois. Lutei a lado de Sufnar em incontáveis batalhas buscando gloria e fortuna com poucos riscos. Sufnar era apenas Sufnar até o dia que recebeu a alcunha de “Ceifador Verde”, nome que surgiu por seu estranho hábitos alimentares antes de ir para batalha. Antes de qualquer batalha seu corpo não poderia ingerir carne, dizia ele que precisava conservar sua fome para seus inimigos, e que era essa fome que guiava seu corpo para guerra. Já vi seu machado de guerra ser erguido alto o suficiente para eclipsar o sol em um instante e no seguinte desfazer homens em um único movimento preciso e brutal. Não foi por pouca fúria em batalha e tática de combate que Sufnar conquistou o titulo de capitão de nossa bando, mas isso já faz muito tempo.

Seu machado era forte, mas numa parede de escudos a lança demonstra seu potencial máximo, e é aí onde eu entro. Hoje mal consigo ter firmeza em minhas mãos para a pouca escrita que me foi ensinada, mas na juventude eu e minha lança eramos inseparáveis, com a extensão de um único membro do corpo . O apelido de “Serpente” veio após um combate que durou do nascer do sol até seu poente, no qual após o horizonte ser apenas uma mancha alaranjada de um fim de dia eu estava com trampos no lugar das roupas e pedaços do que foi minha armadura, mas minha lança permanecia intacta e firme em minhas mãos, como uma víbora que esmaga sua presa. A estrada era feita para nós dois, e por um tempo tudo era simples e até trivial. Por um tempo essa foi nossa era de bronze.

-III-
Esses pergaminhos não descrevem a aparição do “Escarnio de Deus”, mas lembro-me do medo que senti vendo aquela figura carregar seu martelo de guerra e gira-lo com apenas uma das mãos como uma criança faria com um simples galho. Wilheart era da família de Sufnar, seus pais eram irmãos, o que os faziam primos, mas Wilheart se junto ao nosso bando buscando fugiu de uma possível convocação para as guerras vindouras servindo como escudeiro de algum nobre qualquer. Seu desejo era lutar por si próprio e somente pelos seus, provar de tudo que a vida tinha de melhor, fosse de comer, matar ou trepar. Existem relatos de nossa maior façanha quando éramos apenas três.

Em um combate nas colinas rochosas foi desejo de ambos os lideres de cada exército que fosse resolvido esse conflito em um combate entre seus 2 melhores soldados. Sufnar mesmo mercenário se destacava mas linhas, mas eu não deixava-o para trás quando a luta era individual, mas Wilheart avançou e se dispôs a ser o campeão de nosso exercito sem pensar duas vezes (na realidade ele não era muito do tipo de pensar em geral). Intervi dizendo que sendo um novato não teria experiência suficiente para escapar vivo do combate e que sua derrota nos custaria o pagamento pelos serviços, mas Sufnar não interveio.

Subestimei Wilheart está única vez e nunca mais cometi o mesmo erro. Ele não lutou, o que foi feito naquela manhã não era lutar, não era mais combater, era arte. Seus movimentos eram brutais mas precisos, cada golpe atingindo o adversário e pressionando a guarda a até ter a abertura perfeita para o golpe final. Seu martelo desceu ao chão e subiu com toda força, atingindo e separando cabeça de pescoço, lançando-a alta suficiente para sabermos que o campeão adversário conheceria Deus antes mesmo de seu corpo. Fizemos nossos nomes em batalhas e nos tornamos “A Última Trindade”, os mercenários que um dia causaria o fim da tão desejada era de paz entre os povos, mas isso foi muito depois depois desses dias dourados.


-IV-
Os monges acreditam que sou um peregrino vindo de longe buscar abrigo e conhecimento nos dias frios que chegam no inverno dessa região, mas se soubessem quem fui um dia me seria negado não somente o abrigo, mas até o direito de sair daqui com vida, mesmo tão velho como estou. Matei muitos monges quando mais novo, odiava sua crença com uma intensidade que me deixava cego, algo que compartilhava com Wilheart que detestava os sermões passados para nós quando eramos contratados por exércitos com lideres fieis aos deuses, mas dinheiro era dinheiro, tínhamos que pagar nossas bebida e mulheres, mesmo que fosse com dinheiro imaculado.

Retornando de uma de nossas campanhas, Sufnar nos informou que encontrou os dois últimos integrantes para encabeçar os lideres de nosso bando. Ele falava de um arqueiro de mira tão excepcional que acertaria o olho de um homem a 100m com facilidade. Também falava de um estrangeiro que em combate pintava com suas espadas, mas a tinta era sempre rubra e espeça. Nosso encontro foi em uma taverna no limite do antigo Vale dos Homens de Rocha, foi lá que conheci “Fazedor de Cegos” e “Espadachim Rubro”, dois homens formidáveis que fariam nossa ascensão romper com qualquer parede de escudos inimiga.

Bebemos a noite inteira até quase sermos expulso da taverna pelo caos desenfreado e falta de modos. Renrir era nosso arqueiro ideal, apesar de vários poréns. Quando  o conhecemos suas vestes o faziam parecer um bardo de esquina, um desses homens que se pintam e cantam em troca de atenção e dinheiro, mas seu arco e equipamentos contrastavam com essa visão tão rasa. Amante da boa musica e da boa escrita, seu conhecimento era admirável, mesmo que sua constante afirmação de ego as vezes sufocasse seu charme, diferente de Vodant, que fazia graça de todas as serias afirmações de Renrir sobre suas ambições e planos. Ambos ficaram conhecidos pela frieza em campo de batalha, mas os que escreveram os pergaminhos que estou lendo talvez não tenham dividido vinho ou participado de uma ceia com os mesmo que eram o centro das atenções com sua proza.

-V-
Éramos cinco então, invencíveis, inalcançáveis, intocáveis. Nenhum inimigo nos tocaria, éramos “A Quinta Trombeta” e nunca imaginamos que o nosso fim viria pelas nossas próprias mãos, que um de nós causaria o fim dos outros quatro...

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